sexta-feira, 21 de março de 2008

Paris Je T'Aime

Em 18 curtas-metragens, de aproximadamente 8 minutos cada, alguns dos mais prestigiados realizadores contemporâneos, tinham como missão, prestar homenagem à cidade de Paris e ao seu célebre estatuto de cidade de luz, modernidade e romantismo. Ora, com tantos realizadores de estilos completamente diferentes, era fácil prever logo à partida que Paris, Je T’Aime seria uma obra que dificilmente agradaria a gregos e troianos durante os seus 120 minutos de duração, algo que acaba por se comprovar aquando do visionamento. Cada um à sua maneira, os 18 segmentos compõem uma declaração colectiva de amor à capital francesa, mas acabam por revelar alguma dificuldade em manter um nível constante, acabando no cômputo geral, alguns por disfarçar as falhas de outros.

O rol inicia-se com Montmartre, de Bruno Podalydès, uma história de um galês que encontra o amor de forma acidental, depois de uma odisseia para conseguir estacionamento numa rua movimentada da cidade, e Quais de Seine, de Gurinder Chadha, na qual um rapaz se apaixona por uma rapariga muçulmana que é alvo do segregacionismo dos seus amigos. São provavelmente as duas curtas mais simples de entre as 18, marcadas por alguns clichés, mas ainda assim competentes em mostrar Paris como uma cidade apopléctica e multiracial. Uma maneira calma de introduzir os segmentos de realizadores mais inventivos.

O senhor que se segue é Gus Van Sant. Em Le Marais, o realizador conta o caso de um rapaz francês que decide revelar a sua atracção espontânea por outro rapaz, que apenas fala inglês e por isso não percebe o que o seu confidente lhe diz, mas pressente que algo de especial se está a passar. A história é agradável mas ainda demasiado compassada, pelo que o salto para a contribuição dos irmãos Coen acaba por representar um abanão bem-vindo.

Bem ao estilo dos irmãos maravilha, Tuileries é uma enxurrada de originalidade e humor, na qual Steve Buscemi é martirizado pelo mau génio dos Parisienses, representando as ideias ridículas que alguns americanos têm do povo europeu.

A partir daqui o filme começa a funcionar melhor, pelo menos até chegarmos à curta de Christopher Doyle, Porte de Choisy, que tem no seu retrato de chinatown parisiense de longe o mais fraco trabalho de todo o filme, acabando por destruir todo o impacto que Loin du 16ème, de Walter Salles e Daniela Thomas, tinha causado a seguir aos Cohen, com a história de uma mãe de uma classe social baixa, que tem de deixar o seu próprio filho para cuidar os de outros.

Os altos e baixos vão se sucedendo filme adentro, com os pontos mais baixos a serem Quartier de Enfants Rouges, Pigalle e Quartier de la Madeleine. Se as duas primeiras curtas, de Olivier Assayas e Richard LeGravenese respectivamente, pecam pela falta de envolvimento que conseguem gerar, a terceira, de Vincenzo Natali, num estilo parecido ao de Sin City (curiosamente também com Elijah Wood no elenco), está completamente desenquadrada das restantes, apenas ajudando a esborratar a homogeneidade que é pedida a um filme deste género.

Das restantes 9, destacam-se as histórias do japonês Nobuhiro Suwa, Place des Victoires; o trecho Parc Monceau, filmado em tempo real, de Alfonso Cuarón; e Faubourg Saint Denis, de Tom Tykwer, que conta com a participação de Natalie Portman.

A derradeira curta-metragem foi entregue a Alexander Payne, que fechou com chave de ouro a obra, com a história de uma turista americana que deambula por Paris, narrando a sua infelicidade por não ter com quem partilhar aquele momento. 14th Arrondissement é quase um resumo da carreira do realizador e da sua capacidade única em retratar a solidão.

Apesar dos contrastes entre as obras, e da notória incapacidade em manter uma ligação entre elas, Paris Je T’Aime acabou por conseguir deixar-me com vontade de viajar para a capital Francesa para procurar a minha própria história de 8 minutos.


Montmartre (Bruno Podalydes) - 3/5
Quais de Seine (Gurinder Chadha) - 3/5
Le Marais (Gus Van Sant) - 3/5
Tuileries (Joel e Ethan Coen) - 5/5
Loin du 16ème (Walter Salles e Daniela Thomas) - 4/5
Porte de Choisy (Christopher Doyle) - 1/5
Bastille (Isabel Coixet) - 4/5
Place des Victoires (Nobuhiro Suwa) - 4/5
Tour Eiffel (Sylvain Chomet) - 4/5
Parc Monceau (Alfonso Cuarón) - 5/5
Quartier des Enfants Rouges (Olivier Assayas) - 3/5
Place des Fêtes (Oliver Schmitz) - 4/5
Pigalle (Richard LeGravenese) - 2/5
Quartier de la Madeleine (Vincenzo Natali) - 2/5
Père Lachaise (Wes Craven) - 4/5
Faubourg Saint Denis (Tom Tykwer) - 4/5
Quartier Latin (Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu) - 4/5
14th Arrondissement (Alexander Payne) - 5/5


Classificação: 4/5

terça-feira, 18 de março de 2008

Faça-se silêncio...

Fiquei a saber há poucos minutos, através da rubrica do Bernardo Sena na Deuxieme, que morreu Anthony Minghella. Depois de Heath Ledger, Brad Renfro e Roy Scheider, parece que 2008 está decidido a levar gente de talento...

sábado, 8 de março de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

Galardoado com a Palma de Ouro em Cannes no ano passado, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias reflecte o sistema sufocante que se viveu na Roménia durante o regime comunista de Nicolae Ceausescu, centrando-se na experiência de duas amigas de universidade (Anamaria Marinca e Laura Vasiliu) e a sua opção de praticarem um aborto clandestino.

Sendo esta a minha primeira incursão pelo cinema Romeno fiquei francamente surpreendido com a dureza com que 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias trata um tema que é sempre polémico. Se ainda hoje o aborto clandestino é um problema social sisudo, então o facto de esta história se passar numa época em que o regime comunista e o conservadorismo exagerado das suas leis controlavam a Roménia, dá ainda mais ênfase às dificuldades que duas amigas tinham de ultrapassar para conseguirem alguma dignidade. A forma muito crua -sem tentar de forma alguma aligeirar a realidade- com que o filme se desenvolve, torna-o difícil e choca, mas tratar um tema desta magnitude de outra forma seria menosprezar uma realidade bastante preocupante. Não há sequer interesse em esconder as fraquezas das personagens de modo a despertar compaixão no espectador. Do início ao fim a vulnerabilidade e hediondez das pessoas são expostas.

Cristian Mungiu conduziu o filme de forma pouco ortodoxa, quase voyeur, e demonstra que muitas vezes o silêncio também pode falar. Um olhar frio sobre o modo como um sistema bárbaro pode transformar pessoas em monstros.


Nota Máxima: O realismo.

Nota Mínima: Não é um filme fácil de se ver.


Classificação: 4/5

Como é possivel...

...que só agora tenha descoberto que o Fernando Meirelles tem este blog, em que vai anunciando os desenvolvimentos mais recentes de Blindness?


O que eu tenho perdido…

sábado, 1 de março de 2008

Once

Em Dublin, um cantor de rua muito talentoso (Glen Hansard) conhece uma emigrante checa (Markéta Irglová) com a qual compõe algumas músicas na esperança de conseguir um acordo discográfico. Com o passar dos dias a relação entre os dois torna-se numa cumplicidade total, e revelam através da música a sua paixão e a procura do equilíbrio roubado por alguns amores falhados no passado.

Once é, sem grandes reservas, um dos melhores musicais dos últimos anos, senão o melhor. Sem caras ilustres, um realizador de topo ou mesmo um orçamento sequer comparável aos de Hairspray e Sweeney Todd, este filme consegue cativar como nenhum destes dois. Sem nunca ser um musical tradicional em que os diálogos surgem sob a forma de canções, é através destas que se diz muito do que as os dois jovens apaixonados não conseguem dizer um ao outro.

A uma história honesta e sem ponta de pretensiosismo, junta-se uma realização simples e bastante afável, ainda que notoriamente com poucos meios. Aliás, a falta de recursos e o amadorismo dos actores é muito provavelmente o atractivo chave do filme, ajudando a encarcerar o espectador no desdobrar da narrativa. Caso fossem “actores de verdade” a encarnar as personagens centrais de Once (Cillian Murphy foi ponderado para preencher o lugar de Glen Hansard), perdia-se muito provavelmente o impacto da obra e a acepção que a cinematografia em jeito de documentário lhe fornece. A dupla de protagonistas nunca negou nada saber de representação, talvez por isso tenha conseguido dar ás personagens uma simplicidade e ingenuidade com a qual qualquer pessoa se pode identificar e naturalmente interessar.

A abordagem de John Carney – realizador do filme e baixista da banda The Frames, liderada pelo protagonista Glen Hansard- foi, em todos os sentidos, um triunfo. Escreveu o argumento sem cair na tentação de o tornar complexo ou demasiado ambicioso, como em tudo o resto no filme, prescindiu dos clichés do cinema mainstream para criar uma obra de carácter mais pessoal. Nota-se no seu modo de filmar uma vontade em dar espaço aos protagonistas, em não se inserir demasiado na acção, quase como que estivesse apenas a observar ao longe algo que já estava a acontecer, mas mesmo assim não deixa de ser intimista. A inserção das músicas no filme surge quase como pequenos videoclips que explicam o porquê de aquela relação parecer querer ficar-se apenas pela intenção de ultrapassar a amizade. Para além de um musical o filme é também um romance pouco convencional.

A pièce de résistance de tudo isto é sem dúvida a banda sonora muito ovacionada nos Oscars®, com Falling Slowly a ser apenas uma das grandes músicas com que o filme nos premeia durante a sua curta duração.

Uma prova de que com muito pouco se pode fazer muito.


Nota Máxima: A música e a simplicidade de tudo.

Nota Mínima: Ter sido esquecido no meio de “gigantes”.


Classificação: 5/5